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Crônica de Natal (ou questão de estilo)

Não está fácil para ninguém. Então, coragem, fé e bom humor: vamos estender a mão e olhar além dos nossos umbigos, nem que seja só neste Natal...

 foto da internet.

Como são as contadas as histórias? Depende do ponto de vista do narrador, como bem nos ensinou Paulo Mendes Campos a quem parafraseio nesta crônica local. Assim, uma mesma informação pode adquirir inúmeros sentidos, vindo a servir para múltiplas finalidades. Questão de estilo? Sim. Vamos às nossas versões e veremos o que diferentes estilos sugerem diante do mesmo fato, o NATAL...

 

NA NOITE DE NATAL, UM VIGIA ENCONTROU UM HOMEM CAÍDO ÀS MARGENS DE UM AÇUDE, SEM SINAIS DE VIOLÊNCIA NA VÍTIMA.

 

ESTILO GÍRIA: Saca só, mermão. Nas altas horas da madruga, quando tudo tava beleza, um vigia zé ruela encontrou um cara jogadaço na beira do açude, aí! Muito louco, cara! Maior grilo na parada! Aí o vacilão pirô de vez e chamou os home e aí a barra sujô geral pra ele. O carinha se meteu no maior prol da vida dele, tá ligado?!

 

ESTILO SOCRÁTICO: “Só sei que nada sei”

 

ESTILO DUVIDOSO: Um homem caído? Às margens do Açude? A que horas? Como ele foi parar lá? Na noite de Natal? Ele é doido fugido? Brigou com a esposa? Perdeu o emprego? Foi expulso de casa? Está vivo ou morto? E o vigia fez o quê? Quem é o vigia? Corno conhecido, amigo de cachaças, assassino de aluguel? Será mesmo?

 

ESTILO MANCHETE DE PORTAIS LOCAIS SENSACIONALISTAS:

Papai Noel cai feio do trenó no interior do Piauí

Vigia encontra Papai Noel bêbado na rua

Mau cheiro de Açude derruba mais um da moto

Vigia agride Papai Noel e foge com presentes das crianças da periferia

Vereador de situação é cassado antes do Natal. Prefeito culpa oposição

 

ESTILO BÍBLICO: No início Deus criou o céu e a terra e no sétimo dia descansou em Campo Maior (PI). Naquele tempo, às margens do Açude Jordão, havia um homem caído. Passou um transeunte (padre ou pastor) e nada fez; passou um segundo vivente (eleitor ou deputado), e fez nada. Mas o terceiro passante, um samaritano, apiedou-se do sujeito e foi ter com ele. Disse Deus, como seu Filho: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”.

 

ESTILO COVID 19: Este é mais um que eu derrubei e quanto menos as pessoas creem em mim, mais eu cresço e me espalho em torno delas...

 

ESTILO DITADURA DE 64: O Exército prendeu uma estudante em Campo Maior. A denúncia de prisão partiu de um vigia que viu a cena e procurou este cronista. Os militares acusam a estudante de agir contra a ditadura civil-militar brasileira. Da cadeia a jovem disse que a tortura é prática recorrente nas prisões de opositores do regime. Atualmente ninguém sabe o paradeiro da moça. Fontes extraoficiais afirmam que a jovem desapareceu nos porões da história...

 

ESTILO CIDADÃO DE BEM: Bandido bom é bandido morto!

 

ESTILO HOMEM DO CAMPO: Meu cumpadi, o sinhô não me acredita que um vigia incontrô um ismolé bêbo caído ao pé do açude. Pois o vigia discubriu que o tal ismolé era seu primo vêio distante. Aí ele foi dá um banho d’água gelada no primo pinguço, deu uma fantasia pro primo fazê o paper de rei mago num presépio vivo muntado lá pras bandas do povoado Aguá Fria... Pense numa coisa linda de Deus, meu cumpadi!

 

ESTILO INTERNAUTAS NAS REDES SOCIAIS

Internauta 1: Oi, cm eh q vc tá? 😊

Internauta 2: Mal ☹ !!!

Internauta 1: Q foi q aconteceu?

Internauta 2: Meu tio morreu :’(

Internauta 1: Q chato :[

Internauta 2: eh :’[

Internauta 1: Quer sair? Ir p shopping? :D

Internauta 2: Kero sim, rsrsrs... Vc eh minha melhor amiga 😊 / 😉 /

 

ESTILO RUIM DE OUVIDO: Morreu quem?

 

ESTILO DO VIGIA: Eu não sei nada não, seu moço. Foi um amigo meu que me deu esse trabalho. Tenho mulher e filhos pra sustentar, todo santo dia pego minha bicicleta pra chegar aqui. Eu cheguei ontem e dei uma volta no quarteirão da casa, foi aí que vi um homem caído no calçamento do açude. Mas ele não tava lá quando cheguei, viu! Eu nem conheço o sujeito e não vi nada. Eu juro!

 

ESTILO DO HOMEM CAÍDO ÀS MARGENS DO AÇUDE: Quem eu sou? Não sou um mendigo a quem o bom cidadão ignora como a um cão doente. Não sou o Papai Noel dos presentes caros, que pega carona numa festa religiosa para alegria de Mamom e tristeza de Javé. Também não sou este açude morto pela cidade amada... Eu sou você que em algum dia da sua vida esteve por baixo, na sarjeta, no fundo do poço, foi apontado por poucos e julgado por muitos. E mesmo no chão, você acreditou em si, ergueu-se, lutou para mostrar que todo dia é uma chance de recomeçar a vida.

 

Então, avante!