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  10:31

Quem vai chorar pelos trabalhadores de Salvador morto pelo CV? Cadê os direitos humanos?

 Jackson, Ricardo e Patrick. Três trabalhadores mortos pelo estado paralelo

Na noite de terça-feira (16/12), Ricardo Antônio da Silva Souza (44), Jackson Santos Macedo (41) e Patrick Vinícius dos Santos Horta (28) foram sequestrados durante o expediente de trabalho e executados a tiros no bairro Alto do Cabrito, em Salvador–BA. Eram técnicos de uma provedora de internet, usavam farda de trabalho e foram encontrados mortos a bala e com as mãos amarradas. A motivação, segundo a polícia, foi a cobrança de “pedágio” por parte de uma facção criminosa, o mesmo Comando Vermelho que teve 117 membros mortos no Rio de Janeiro.

O fato em si já clama por indignação: trabalhadores assassinados por tentar ganhar o pão de cada dia. Mas o que choca é o padrão da reação pública. Quando traficantes armados até os dentes, usando roupas e táticas de guerra e terrorismo morreram em uma operação policial no Rio de Janeiro, o país assistiu a um espetáculo midiático, e a polícia, que perdeu quatro de seus guerreiros, foi achincalhada por políticos, grupos de direitos humanos, movimentos negros, parlamentares, como a deputada Benedita da Silva, além de visitas oficiais de membros do governo federal para “acompanhar de perto”, pedidos de inquérito até pelo STF, e até apresentador de televisão, Luciano Huck, se sentiu autorizado a lamentar a morte dos traficantes e chorar com as mães dos criminosos.

A pergunta, sem rodeios, agora é por que esse clamor público não ecoa da mesma forma quando as vítimas são trabalhadores também negros, pobres, da periferia, do interior, homens que acordam cedo, vestem uniformes e carregam alicates, escadas e fios, em vez de metralhadoras? Onde estão as vigílias, as notas públicas, o governo federal, os ministros do STF, o diretor-geral da Polícia Federal e a cobertura que transforma tragédias em bandeiras, supostamente, das minorias, da favela, dos pobres, dos negros? Onde? Quem foi visitar os parentes dos três técnicos executados em Salvador e pressionar por investigação transparente e punição exemplar dos mandantes?

No caso da Bahia, eram homens negros, trabalhadores, pais de família, e foram executados friamente. Não estavam armados. Não estavam “em confronto”. Estavam trabalhando. Foram mortos porque a empresa (nem foram eles) não pagou propina a um Estado paralelo, ao crime mais organizado que o Estado Democrático de Direito da República Brasileira.

E o que vimos de reações? Nada.

Nenhuma comitiva de Brasília. Nenhuma nota indignada de ONG. Nenhuma fala emocionada em programa de televisão. Nenhuma hashtag. Nenhum “estamos acompanhando”. Nenhum estado democrático de direito sendo usurpado, não é STF?

O contraste é obsceno. Quando o morto é traficante, surge o discurso da “vítima do sistema”. Quando o morto é trabalhador, o país boceja. Quando a arma está na mão da polícia, o dedo aponta. Quando o fuzil está na mão do crime organizado, o silêncio é conveniente.

Onde estão agora os defensores da vida? Onde estão os que choram seletivamente? Onde estão os que dizem lutar contra o genocídio da população negra, pobre, de favela?

Esses três homens também eram negros. Também eram pobres. Também eram da periferia. E o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), é da militância, diz defender os pobres, os negros, as minorias.. É de esquerda. Será por isso que o caso não serve para a militância? Não rende discurso? O Estado legal, neste caso, não pode ser atacado? Nem o Estado paralelo? Não cabem no roteiro ideológico, não é mesmo?

A verdade incômoda é que parte da elite militante brasileira, incluindo políticos, artistas e “intelectuais”, acostumou-se, nos últimos 20 anos, a relativizar o crime e a romantizar o bandido (e não por coincidência é acusado pela oposição de governo dos criminosos), desde que isso sirva para manter viva uma narrativa política. O traficante morto vira símbolo, vira livro, vira até filme, série... O trabalhador assassinado vira apenas estatística. O cidadão preso por pintar uma estátua de batom é condenado a 17 anos; o ladrão de aposentados e dono de banco assinam contrato milionário coma esposa do ministro do STF e tem blindagem de todas as formas, silencia em CPI, vida boa nas mansões, entre outros benéficos

O país falta coerência moral em todos as instâncias. Se a morte indigna quando parte do Estado, ela deveria indignar ainda mais quando parte de facções que escravizam territórios, extorquem empresas e pessoas, expulsam moradores e executam inocentes à luz do dia.

Mas isso exigiria enfrentar o crime sem desculpas sociológicas prontas, sem romantização. Exigiria dizer claramente que facção não é movimento social, não é Estado para impor leis e regras, que fuzil não é instrumento de resistência e que trabalhador assassinado merece mais atenção do que criminoso armado.

O silêncio diante do assassinato desses três homens na Bahia mostra a podridão do país e uma hierarquia perversa de vidas, onde uma vida vale mais que outra, bastando estar alinhada a um discurso político, a um partido ou ao que pensa um ministro do STF. Algumas merecem luto e nota nacional; outras, silêncio total. Famílias choram sozinhas. Sem holofotes. Sem discursos. Sem artistas. Sem ministros.

Talvez o problema nunca tenha sido a defesa da vida, a democracia, o estado de direito.

Talvez sempre tenha sido a defesa de uma narrativa para manter um grupo intocável no poder. Seja uma ideologia de dominação, de um partido político, apenas.

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