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  19:06

Velório e Copa do Mundo

O Brasil perdeu na Copa do Catar... Lembrei um torcedor que morreu há 8 anos torcendo pela Seleção na Copa do Mundo, aqui mesmo no Brasil!

 Fonte: Google Imagens

Versão dos vivos

Seu Jorge morreu no dia da semifinal da Copa do Mundo de 2014. O jogo era Brasil x Alemanha. Familiares chegavam à sua casa, não se sabe se pela notícia da morte dele ou se para assistir ao jogo na TV de 75 polegadas que ele comprara exclusivamente para assistir à Copa com familiares e amigos.

Mas algumas horas antes do jogo, o coração de Seu Jorge não aguentou a ânsia da espera. Somam-se a isso uma vida de sedentarismo, má-alimentação e estresse no trabalho. O cardiologista pediu-lhe repouso e que evitasse fortes emoções. “Haja coração!”, dizia o locutor esportivo preferido de Seu Jorge. Tem quem diga que ele morreu infeliz porque imaginava comemorar a vitória do Brasil na semifinal da Copa, ganhar a aposta que fizera com um amigo e assim morrer em paz e hexacampeão.

Seu Jorge foi rápido. Passou mal e defuntou-se. Coração traidor!

Os filhos e netos e amigos foram chegando à casa alegre mais triste do bairro. O churrasco já estava comprado e Seu Jorge foi morrer faltando algumas horas antes do jogão. Muitos que ali estavam dividiam-se entre assistir ao corpo e à Copa. Todos ficaram naquela dúvida de cretino fundamental ante o óbvio ululante. E agora: chorar ou torcer? Pode-se chorar às claras e torcer às escondidas. Não perder nenhum lance do morto; despedir-se daquele jogo-amigo. Naturalmente o povo se revezou naquele acordo tácito e cínico. O corpo iluminado repousava na sala pálida de velas tristes e gentes acessas. Os gols começaram a sair germanicamente; família e amigos choravam a dor da perda. A Copa acontecia na cozinha indiscreta, no silêncio de cemitério ou de estádio vazio.

Havia tantas apostas para aquele jogo que era um pecado perdê-lo. Tantas apostas de Seu Jorge nos jogos da Seleção... Os gols saíram ainda mais: 7 a 1 para a Alemanha. Foi até melhor que seu Jorge estivesse morto. Dali em diante foi uma tristeza profundamente legítima e geral. Todos abandonaram a cozinha e foram chorar ao pé do caixão do morto. Na verdade, no dia da morte de Seu Jorge o Brasil inteiro chorou aquela perda.

Versão do morto

Eu morri na semifinal da Copa do Mundo de 2014. Se não fosse o coração a me matar, teriam sido a raiva e o desgosto da histórica derrota de 7 a 1 para os alemães. Assim é a vida; desse jeito foi minha morte. Minha esposa e filhos lá estavam na sincera tristeza de quem perde um amor no jogo da vida. Os meus amigos - alguns deles mais cúmplices que amigos – dividiam-se entre a pífia tristeza na sala do meu velório e o vergonhoso resultado do jogo que passava na minha TV na cozinha.

De meus familiares não esperava menos. Até me comovi quando todos desistiram de uma viagem por minha causa só para assistirem à Copa comigo (o único de casa fissurado em futebol). De meus amigos esperava um pouco mais de consideração. Sei que muitos deles viviam dependurados em apostas nos jogos da Copa: uns ganharam um bom dinheiro em bolões via internet; outros amargaram grave prejuízo. Mas aí torcer ou afogar suas esperanças (ou derrotas) em meu velório, é de matar qualquer um de raiva!

Em resumo, não fiz a viagem dos sonhos com minha família, não tive amigos de velório, não ganhei apostas nos bolões em sites da internet, nem assisti ao jogo em minha TV de 75 polegadas. O melhor de tudo mesmo foi que eu morri. Mas se não ganhei o bolão da Copa, também não perdi a aposta que custaria minha casa para um amigo, apostador tão fanático quanto eu... A seleção brasileira perdeu mortalmente aquele jogo, a nação inteira chorou a derrota colossal da Seleção e eu escapei de um apostador compulsivo. Acho que eu era o único filho da puta no Brasil que estava feliz como aquele 7 a 1...

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