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  19:49

O INVERNO VEM AÍ

Ele sente descer pelos olhos uma chuva de lágrimas mornas que se confundem com a água da chuva que molha seu rosto

 

 

No silêncio da noite morna ouvia-se apenas o barulho do vento ao longe, às vezes brisa, às vezes assobio! E o vento veio vindo, se aproximando lento e preguiçoso, tão sutil que mal se percebia a sua presença. Ele vinha de longe, tangendo as nuvens que aos poucos escureciam as estrelas até esconder de vez o brilho da lua!

 

E a noite foi se transformando aos poucos, ia deixando de ser silenciosa para ser povoada pelo farfalhar das folhas dos coqueiros, mangueiras e laranjeiras que dormiam no quintal, e que foram acordadas pelo vento, que agora forte que lhes fazia rodopiar, enquanto lhes dizia alegre a grande e esperada notícia: _ Preparem-se que a chuva vem aí! E a noite acordada repentinamente com este recado do vento, foi ficando pesada! Escura e pesada, barulhenta e fria! Lá fora as árvores tremiam sobressaltadas pelos primeiros pingos que chegaram, grossos e invasivos, sem pedir licença. Parece que tinham urgência de penetrar as terras secas e carentes de algo que as tornassem férteis para o plantio que viria no amanhecer, elas sabiam que depois da invasão das águas em suas entranhas haveria a fertilização e logo seus frutos nasceriam fartos e saudáveis.

 

Lá dentro da velha casa de taipa o homem acorda! Feliz como se a chuva fosse a salvação para sua lavoura! E era! Não consegue mais dormir, para ele não tem melhor notícia... não tem música mais suave para seus ouvidos e motivação maior que aquela! Ele fica elétrico, totalmente acordado e feliz! Não vê a hora do dia raiar para sair pros campos, campear o mato e olhar o verde que surge quase instantaneamente após as primeiras chuvas! Dá vontade de cantar e ele canta! Dá vontade de amar, de sorrir, de viver. Não consegue mais fechar os olhos pois seu ouvido está atento ao barulho da água que cai pela “biqueira” do “oitão” da casa velha! Casa de palha não tem goteira, senão a casa já estaria inundada pela quantidade de água que cai lá fora.

 

Parece que Deus destravou as torneiras do céu e toda água veio abaixo de uma vez só! Quanta felicidade, meu Deus! Ele não consegue mais conciliar o sono e fica imaginando o riacho, como estará pela manhã! Fica imaginando a alegria dos bichos quando amanhecer o dia e eles saírem para os pastos molhados de água fresquinha e farta! Fica imaginando os filhos a brincar nas poças d’água, livres e saltitantes como os cabritos nos pastos, felizes como eles só!

 

Fica sentindo o cheiro da terra molhada que entra no seu quarto pela janela escancarada onde, em pé, ele assiste ao espetáculo da noite, cada vez que um relâmpago abre fogo e ilumina a noite banhada pela primeira chuva daquele inverno que será grandioso! As rajadas de vento longe de intimidar, são convites para colocar a mão para fora e sentir os pingos e o aroma que vem das matas molhadas ali pertinho!

 

Os trovões começam a ficar frequentes e aquilo aumenta a emoção do caboclo! Seu coração começa a bater mais forte e faz barulho, quase da altura do barulho do trovão! Era como se houvesse um dueto entre o trovão e o seu coração! Dueto que falava de abundância, de gratidão, de perspectiva de vida, de fartura e de prosperidade!

 

De repente a emoção cresce e ele sente descer pelos olhos uma chuva de lágrimas mornas que se confundem com a água da chuva que molha seu rosto exposto na janela! Ele chora de alegria e de gratidão a Deus que ouviu as suas orações e mandou aquela imensidão de água para esfriar a chama da tristeza que sentia a cada fim de tarde enquanto esperava aquele inverno tardoso, chama que lhe queimava as entranhas e lhe deixava murcho como as flores do jardim! Agora as suas flores renasceriam também. Eita vida boa Senhor! E ele esquece todo o sofrimento passado Todo o medo de ter que sair de suas terras para o inesperado, caso não chovesse...

 

Agora é tanta felicidade que até já pode assobiar e é assobiando que o dia o encontra quando a chuva já está indo para voltar mais tarde!