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  09:45

A História da carne de sol de Campo Maior

 Foto: Web

Prof. Marcus Paixão

Em todo o Estado do Piauí e em muitas cidades brasileiras, o município de Campo Maior é conhecido como a terra da carne de sol. Aqui no Piauí esse título é consenso, ninguém discute mais a questão, ninguém toma de Campo Maior esse mérito. No Brasil, por conta dos turistas que tem visitado nossa terra – especialmente por causa da Batalha do Jenipapo, festejos religiosos, etc. – no decorrer de anos, a fama e o título começam a ganhar peso nacional. Nos últimos anos, com a criação do evento cultural SABOR MAIOR, a fama de Campo Maior ganhou forte impulso nacional. Não há dúvida que através deste evento, a culinária campomaiorense tem se destacado e tem comprovado sua fama secular. Campo Maior e carne de sol, hoje, são sinônimos.

 

 Mas o que há de especial com a carne de sol de Campo Maior? A criação de gado em Campo Maior é diferenciada? Os pastos são melhores ou o solo tem algum composto que o diferencia? Você sabe por que Campo Maior tem a fama de terra da carne de sol? Ainda é grande a quantidade de pessoas na cidade que não sabe responder essa pergunta; ou que está enganada quanto à resposta. A história do povoamento de nossas paragens pode nos ajuda compreender essa matéria.

 

Logo após a metade do século XVII, por volta de 1660 e 1670, nossa terra começou a ser atravessada por fazendeiros portugueses que vinham da Bahia, do Pernambuco e do Ceará, todos com destino a São Luís do Maranhão. Tratava-se de uma nova rota. As rotas antigas seguiam do Sul (Oeiras) em direção ao litoral (Norte), cruzando o Piauí em sentido vertical. A nova rota, que atravessava a atual Campo Maior, região então chamada de Vale do Longá, tinha seu trajeto pela cordilheira da Ibiapaba. Ali os vaqueiros que conduziam o gado desciam a serra e adentravam na região onde hoje cobre as cidades de Castelo a Pedro II. Continuavam seguindo na região, na direção do Longá, sempre caminhando para rio Parnaíba, divisa atual dos Estados (Piauí e Maranhão), numa travessia que cortava o Piauí ao meio, em sentido horizontal, cruzando o Vale do Longá. A nova trilha tornou-se o “corredor do gado” no Piauí.

 

Nessas muitas andanças de vaqueiros e fazendeiros portugueses, a terra de Campo Maior logo despertou a atenção, especialmente por duas características: as grandes e espaçosas campinas, extremamente propícia para a criação do gado; e a grande quantidade de rios e lagoas que cortavam a terra. Fazendas e curais começaram a surgir ainda nesse período inicial. Boiadas eram trazidas para as terras de Campo Maior, que logo estava cheia, pontilhada de cabeças de gado. A medida que o século XVII chegava ao fim, na mesma velocidade, crescia o número de fazendas e de bois. O gado foi a primeira riqueza de Campo Maior. Trouxe fartura, poder econômico e prestígio aos moradores da região. Isso tudo há cerca de 350 anos atrás, quando Campo Maior ainda não era chamada de Campo Maior, mas já iniciava seu povoamento e sua história com o gado, forte ligação que se comprova desde os tempos mais remotos. Ao despontar o século XVIII, com a fortificação do povoamento de fazendas, com a guerra contra os índios deflagrada, ação que dizimou as populações nativas do nosso território, a criação do gado deu, novamente, mais um grande salto. O índio não deixava de ser um problema para os fazendeiros, pois era comum o roubo do gado e o ataque às fazendas. Sem a presença indígena a criação do gado despontou e a economia do norte também. De todas as povoações do Piauí, Campo Maior sempre esteve à frente nas dízimas do gado que eram enviados ao centro da colônia. Algumas vezes Campo Maior chegou a superar a própria Oeiras, capital da Província, na criação do gado.

 

Alguns documentos antigos, que datam dos anos de 1770 a 1779, comprovam que a riqueza e o poder em Campo Maior vinham mesmo do gado. Chegava-se ao absurdo de um fazendeiro comprar um vestido para uma mulher ao custo de três cabeças de gado, o que equivaleria hoje, por alto, cerca de R$ 5.000,00. E isso era prática comum. Duas garrafas de cachaça custavam um valor superior ao de R$ 1.000,00, isto é, uma cabeça de gado. Para comer uma galinhada era preciso dispor de uma cabeça de gado, e dos grandes. Todo esse esbanjar comprova, não apenas a falta de alguns itens básicos, mas a grande quantidade de gado que estava espalhada nas fazendas de Campo Maior.

 

Respondendo a pergunta: por que Campo Maior é conhecida como terra da carne de sol? Primeiro, é bom lembrarmos que muita informação equivocada existe. Alguns tem espalhado a notícia que essa fama é oriunda do talento presente em nossa culinária. Outros acreditam que nossos campos tinham compostos especiais que tornavam o capim diferenciado... tudo estória, estória pra boi dormir. A fama se deu especialmente por conta das condições físicas naturais de nosso território. Esse título se deve, a priori, aos imensos campos que estão presentes em nossa região. Essas grandes campinas foram o motivo principal da instalação de muitas e grandes fazendas de gado. A terra logo se encheu de gado vacum. A pecuária era a fonte que mais jorrava riquezas ao povo de Campo Maior (leia-se aqui: aos fazendeiros). Se houve muito gado, isso se deu pelo fato da terra ser favorável, oferecendo grandes campinas e muito pasto.

 

Como o fazendeiro não dispunha de energia elétrica, a carne era conservada com sal e posta ao sol, para secar mais rapidamente e ser armazenada em pequenas e médias quantidades. Aí estava a carne de sol de Campo Maior, que se tornou lendária no Piauí inteiro. Saiba o leitor que a fama da cidade não vem de hoje, vem de quase dois séculos de tradição. As tradições se transformam e se modelam com o tempo, e a tradição da carne de sol de Campo Maior também passou por essa transformação. Hoje, ao ouvirmos que Campo Maior é a terra da carne de sol, logo ouvimos que o motivo disso é porque a nossa carne é a melhor da região. Não discordo que a nossa carne é a mais gostosa do Piauí, o Sabor Maior vai comprovar mais uma vez que a melhor culinária piauiense está em Campo Maior, mas, sem dúvida nenhuma, a origem dessa fama se deu não por motivos culinários, mas pela força que o gado sempre representou na nossa economia.

 

Leia mais sobre a história de Campo Maior no livro CAMPO MAIOR: ORIGENS – 99456-0141

Marcus Paixão